Em entrevista exclusiva à CRESCER, psicóloga da USP explica que é preciso melhorar alguns aspectos da rotina para motivar seu filho a brincar
Se o seu filho anda sem disposição, desmotivado ou sem interesse em fazer as atividades no dia a dia, cuidado: você pode ser o causador disso. Uma pesquisa desenvolvida no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo mostrou que o excesso de controle e a superproteção dos adultos são a principal causa de apatia, falta de espontaneidade e tédio na infância.
O estudo envolveu uma avaliação da rotina e do comportamento de 30 crianças, entre 5 e 7 anos, de famílias paulistanas de alto de alto poder aquisitivo. Além de estudarem no mesmo colégio bilíngue, todas convivem com pelo menos um funcionário da família (empregada, babá e/ou motorista), fazem viagens para dentro e fora do Brasil, comemoram o aniversário com festa e fazem passeios aos finais de semana. Nas famílias que não tinham uma babá para ajudar a cuidar da criança, a mãe trabalhava meio período e contava com o apoio de uma empregada. O superagendamento das crianças pode ser explicado por dois fatores. O primeiro é a questão de segurança, afinal, entende-se que, em um curso, a criança está num local seguro e sob a responsabilidade de um profissional especializado. O segundo, e principal, é apontado por Clarice como a preocupação dos pais em garantir um futuro promissor e bem sucedido para os filhos. Com isso, vem a idade do “quanto antes, melhor”. “Eles querem antecipar conteúdos, por exemplo, a criança ser alfabetizada com três ou quatro anos, fazer cursos de um segundo ou terceiro idioma antes dos seis, praticar esportes intensivos”, diz.“Notei dois pontos bem fortes: maior facilidade no consumo de bens, que muitas vezes aparece como atenuante da culpa pela ausência na vida do filho enquanto estão no trabalho, e a prática de uma atividade extracurricular. A maioria fazia pelo menos duas, algumas três”, conta a psicóloga e psicopedagoga Clarice Kunsch, autora do estudo.
O tédio
Tudo o que foi descrito acima pode ser visto como uma tendência da maioria das famílias com o mesmo padrão de vida das analisadas na pesquisa. O impacto disso num futuro distante é difícil prever, mas em curto prazo já dá para dizer que o excesso de tarefas pode deixar a criança esgotada mentalmente e sem tempo para criar e imaginar
Tudo o que foi descrito acima pode ser visto como uma tendência da maioria das famílias com o mesmo padrão de vida das analisadas na pesquisa. O impacto disso num futuro distante é difícil prever, mas em curto prazo já dá para dizer que o excesso de tarefas pode deixar a criança esgotada mentalmente e sem tempo para criar e imaginar
Como consequência disso, vem o que a pesquisadora chama de sinais de vivência de tédio, ou seja, apatia, desinteresse, falta de iniciativa, de motivação, do “brilho no olhar”, de encantamento com as coisas mais simples, como, por exemplo, uma joaninha. Portanto, se seu filho não vai brincar quando solicitado, se há falta de iniciativa para agir, não há interesse por filmes ou livros típicos do universo infantil ou fica à espera de um adulto para lhe dizer o que fazer, pode ser sinal de tédio.
A boa notícia é que combater o aparecimento dessa apatia não é difícil, embora requer reestruturação das prioridades da família, como ensina a psicóloga: “Acredito que os pais devam primeiramente ver como a vida da criança está sendo ocupada: excessos definitivamente não fazem bem. Fazendo coisas demais, as crianças têm dificuldade em lidar com as próprias vidas. Falta espontaneidade, criatividade e alegria. E tudo isso compromete o desenvolvimento saudável da criança em todos os aspectos: físico, emocional, intelectual e moral. Não se deve forçar conteúdos para tentar pular etapas. O tempo de cada criança precisa ser respeitado”.
Sim, a gente sabe que outro idioma é mais do que necessário para o seu filho no futuro. Mas não é por isso que você precisa matriculá-lo já na escola. Quanto às atividades físicas, a especialista alerta que elas também devem ser ponderadas. O melhor é a criança fazer atividades poliesportivas, em vez de treinar movimentos repetitivos, como tênis e futebol.
Os cursos mais lúdicos ou oficinas de artes são boas dicas de atividades extracurriculares, já que trabalham mais com prazer e menos com obrigação. Porém, a pesquisadora ressalta que eles são muito diferentes de brincar livremente. “Ela explora o mundo de outra forma quando brinca, interage com outras crianças, com a natureza, cria sem a mediação do adulto. Por isso, esses momentos devem predominar na rotina da criança”, aconselha Clarice.
Nada substitui a convivência
A pesquisa da USP chamou a atenção para outro ponto que estimula o tédio: o excesso dos bens materiais. Quando Clarice perguntou para as crianças o que as deixavam mais felizes, todas responderam algo ligado à presença de pessoas. ‘Gosto quando meus amigos estão em casa’, ‘quando minha tia vem me visitar’, foi algumas das respostas que encontrou. Os momentos ruins estavam igualmente relacionados às pessoas: ‘Não gosto de brincar com meu irmão’ ou ‘quando não tem ninguém para brincar comigo’.
A pesquisa da USP chamou a atenção para outro ponto que estimula o tédio: o excesso dos bens materiais. Quando Clarice perguntou para as crianças o que as deixavam mais felizes, todas responderam algo ligado à presença de pessoas. ‘Gosto quando meus amigos estão em casa’, ‘quando minha tia vem me visitar’, foi algumas das respostas que encontrou. Os momentos ruins estavam igualmente relacionados às pessoas: ‘Não gosto de brincar com meu irmão’ ou ‘quando não tem ninguém para brincar comigo’.
“Na conversa com as crianças, observei que os bens materiais em excesso são um desperdício e não há necessidade de dar tantos presentes para as crianças. Deve-se entender o porquê de ela estar pedindo algo. É realmente um desejo pelo objeto ou é um desejo de atenção? Muitas vezes é a maneira que a criança encontra para interagir com o adulto”, alerta a especialista.
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